Me sirvo de mais um copo de vinho e dou mais uma tragada no último cigarro do maço. Devo estar dormindo ou quase isso. Devo estar dormindo com ratos. As imagens da minha infância começam a surgir na minha cabeça. É a primeira vez que estou bêbado e não penso em mulher. Não devo estar bêbado.
Minha lembrança mais antiga da infância é de meu pai. Meu pai tirando o cinto e gritando comigo por eu ter mexido na máquina de costura da minha mãe. Eu tinha uns seis anos. Meu pai nunca foi meu herói.
Tinhamos poucos momentos felizes. Lembrei de uma das raras vezes em que fomos à praia. Meu pai gostava da praia e lá, era uma pessoa completamente diferente do que era em casa. Brincamos na água, jogamos bola e ele me pagou um picolé. Até hoje me lembro do sabor, era de menta. Por esses e outros poucos e bons momentos eu sentia falta de ser criança.
O tempo passava rápido e logo me vi crescido. Nunca tive muitos amigos e muito menos, namoradas. E sempre fui o mais caçoado da turma por ser péssimo em futebol. Passava a maioria do meu tempo lendo ou ouvindo sermões do meu pai.
Da minha adolescência, a melhor lembrança é a de quando eu ganhei uma máquina de escrever. Eu era bom com as palavras, podia me tornar um grande escritor ou qualquer coisa assim. Eu gostava muito de escrever quando era moleque.
Certa vez, meu pai leu um dos meus textos. Ele não gostou. Disse que era um texto que não transmitia nada de bom à ninguém e me mandou seguir carreira no exército, que como escritor eu não ia dar em nada. Talvez ele estivesse certo.
E por fim, me tornei velho demais para depender dos meus pais. Me arrumei escrevendo para pequenos jornalistas locais, que usavam seus nomes em minhas matérias, ganhando pagamentos miseráveis, impossíveis de me garantir uma vida descente. E cá estou, morando num buraco imundo, cercado de garrafas vazias de vinho, bitucas de cigarros e ratos. Me tornando tudo que meu pai não quis que eu fosse.