24 de fevereiro de 2011

Diálogo com Beatriz na espera do ônibus

Ele levantou-se e declarou que ia embora.
- Mas já? Você acabou de chegar!
- Preciso ir. -mentira, ele não precisava ir.
- Fique um pouco mais e continue a me falar de Kafka. O próximo ônibus vai demorar a chegar. -menti.
Ele hesitou um pouco
- Tudo bem, peça mais um café e eu continuarei falando.
Pedimos mais um café e ele continuou falando sobre Kafka, que havia lido recentemente.
- Enfim, ele é inacreditável. -concluiu. -Agora, preciso ir, Beatriz.
Sem mais desculpas para fazer com que ele continuasse ali, o deixei ir.

Deixar com que ele fosse embora era uma das coisas mais difíceis a se fazer. Gostava de tê-lo por perto.
Eu não sei se ele pensava assim de mim também.

3 de fevereiro de 2011

Dia 3

Acordo cedo e olho pra ele esparramado na minha cama como se fosse sua própria cama.
Eu cansei de dele. Cansei de vê-lo deitado na minha cama, cansei dele assistindo futebol na minha tv e cansei dele tomando o meu sorvete. Aliás, por que é que ele gosta de sorvete? Isso é tão feminino.

Mas, por algum motivo, que eu mesma desconheço, não posso mandá-lo embora. Talvez seja porque eu precise dele para fazer algumas coisas que eu não posso fazer sozinha.

Elimino todo e qualquer pensamento sobre ele e vou até à cozinha. Na cafeteira ainda tem café. Café de ontem, café frio. Pego uma caneca no armário e despejo todo o café nela e levo ao microondas.

Enquanto tomo o café, agora quente, olho para a pilha de pratos sujos na pia. Apesar de sujos, a louça é branca. Eu cansei de louça branca. Que tipo de pessoa utiliza pratos brancos?

Há um espelho na sala. Eu olho meu reflexo. Cansei da minha cara, cansei do meu cabelo, cansei dos meus olhos e cansei dos meus peitos tamanho 42. Cansei de mim.

Quando vim morar sozinha, aprendi que é indispensável ter chocolates em casa. Há muito tempo não compro ou como chocolates.

E então, vou até a varanda. Me inclino no parapeito. A liberdade me parece convidativa. O voo me parece convidativo, vida sem monotonias ou saco cheio. Quero conhecer Nietzsche mais de perto no inferno.

- Eu adoro essa calcinha. -ouvi ele falar, então, me virei.