Acordei cedo. O Rio Capibaribe sorria para mim. Eu não sorri de volta. O vento soprou forte e as cadeiras de plástico estremeceram na varanda do sexto andar.
Coloquei água no fogão e esperei até que ela fervesse. Pus duas colherinhas de café solúvel na xícara cheia de água quente.
Merda. O café estava muito quente. Minha língua foi tomada por bolhinhas –que vieram a me incomodar mais tarde. Desisti do café. Procurei minha carteira de cigarros... Vazia. Que merda! Porque eu não comprei cigarros na noite anterior?
Vesti uma camiseta qualquer e fui pegar o elevador. Demorou a chegar. Lento e velho, nossa descida era sacolejante e perturbadora. Tinha a sensação que eu poderia morrer a qualquer instante ali dentro.
A rua estava vazia, exceto por alguns lojistas que abriam suas lojas. Havia um posto 24h na esquina da outra rua, provavelmente encontraria meus cigarros por lá.
Caminhava distraído pelas calçadas imundas da cidade, e assim, distraído, fui atravessar a rua. De repente, vejo um carro vindo em minha direção correndo descontroladamente. Reuni todas as minhas forças matinais e atravessei a rua correndo o mais rápido que poderia. O motorista –que quase me tirava a vida –era um garoto, provavelmente bêbado, que colidiu num poste em seguida.
Os poucos que transitavam pela rua, correram imediatamente em direção ao carro destruído. Eu continuei andando, a fim de comprar os malditos cigarros e voltar para casa. Finalmente, comprei uma carteira de cigarros, teria acendido um lá mesmo, se eu não tivesse esquecido o isqueiro.
Na volta para casa, passei em frente ao acidente. O garoto, estava estirado no chão, ensangüentado. Uma mulher gritava desesperadamente para que chamassem uma ambulância. Um outro homem, dizia que o garoto estava (quase) morto. E estava.
Resolvi seguir caminho para casa. Passei pelas mesmas calçadas imundas outra vez. Tomei o mesmo elevador sacolejante e perturbador, e por fim, cheguei em casa.
Procurei o isqueiro e acendi o meu cigarro. Esquentei água novamente. Preparei o meu café. Não estava quente demais dessa vez. Liguei o som num volume razoável, para mim e para os meus vizinhos. Tocava Bob Dylan.
Olhei novamente para o rio. Ele ainda sorria para mim. Sorri de volta. E mais adiante, pude observar um garoto (quase) morto, enquanto eu curtia Bob Dylan, café e cigarros.
Um comentário:
acontecimentos cotidianos chegam a ser tão irônicos, não?
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