30 de novembro de 2011

das mazelas de ser alice

Alice jogou sua mochila no primeiro canto vago que achou, mas nem assim conseguiu se livrar do peso que carregava nas costas. E nem era um peso vindo lá de fora, era um peso que vinha dela. Era o peso que era.

Em casa, fazia silencio e ela foi dormir. Dormiu até quase nove horas e acordou cansada. Alice andava bem cansada esses dias. Tinha vontade de ir embora mesmo sem chegar.

Alice tinha um nome cheio de graça para alguém tão sem graça. Alice tinha manchinhas brancas nas unhas roídas e uma postura horrível. Fazia palavras cruzadas enquanto tomava suco de uva, lia revista Capricho no banheiro, falava sozinha e se exaltava demais ouvindo música clássica. Gostava de olhar sites de imobiliárias, gostava de azulejos antigos, tinha uma coleção antiga de selos e outra de pessoas que já tinham ido.

Alice tinha medo. Medo de tudo. Medo dela, medo dos Beatles, medo da verdade, medo dos outros, medo de vomitar, medo de sorrir, medo de chorar, de amar e de despedidas.

Alice tinha dúvidas, manias, desejos, complexos e poucos amigos. Ela era tão só dela que nunca admitia nada, acho que tinha medo disso também. Alice sabia decorado o nome de um monte de remédios e sempre fazia o mesmo caminho pra voltar pra casa –era o tempo de oito músicas. Falava tudo pela metade e tinha ódios repentinos. Alice também não sabia a forma certa de amar. Amava rápido e se entregava fácil, assim como se machucava. E tinha medo disso.

Alice estava cansada de ser Alice, hoje. Não, minto, Alice estava cansada de tanto pesar.

Acordou enjoada e com fome e foi tomar um banho. Alice chorou, chorou com vontade. Chorou cheia de dores. Chorou de cansada e cansou. Ainda molhada, se jogou na cama e ficou lá, olhando pra janela amarela de um dos prédios vizinhos. Podia ficar ali a noite inteira, cansada de tudo, até se cansar. Mas aí, ela foi comer. 

24 de novembro de 2011

um bom motivo pra nós dois

Na verdade, apesar de minhas "polipolaridades", eu te amo. Mesmo sem graça, mesmo sem vontade, mesmo que não hoje.
Eu te amo um tanto. E do nosso (pode ser nosso?) amor, a gente é que sabe.

21 de novembro de 2011

pela primeira vez, eu não quis te escrever

Domingo, 20 de novembro de 2011

Ana,
é absurdo o tempo dos dias. É muito mais corrido que eu.
Faz tempo que não te escrevo, meu bem. Eu tô dizendo que anda corrido... Deixa eu te contar, que esses dias eu conheci alguém. Não é um alguém especial como você, Ana. Isso seria impossível. Você é única. É única e incomparável (neste momento, luto comigo mesmo pra não ter raiva de mim -nem de você- por te valorizar tanto). Mas veja bem, não me sinto tão bem ao lado dela quanto ao seu lado.
Ana, vou parar por aqui porque acho que irei mentir coisas bonitas nas próximas linhas. Desculpe.

20 de novembro de 2011

morrendo

Quarta feira, 2 de novembro de 2011

Ana,
bom dia, minha querida. Como vai você? Hoje é dia dos mortos. Você morreu em nós dois e isso dói. Dói.
Lembro do dia que você disse que nunca ia me deixar, mesmo que morresse, estaria sempre comigo. Ana, concordemos que você não me deixou, não por inteiro. Você ainda mora no meu peito, na minha cabeça, no meu nariz. Só não mora mais nas minhas mãos. Eu nem sei se você já morou um dia, meu bem.
Não estou querendo ser um cara obsessivo, Ana, não. Mas gostaria de ter você morando aqui, ainda. Vivendo aqui, ainda. Em mim, sabe?
Estou com saudades da sua vivência, Ana.

19 de novembro de 2011

eu odeio verão

Segunda feira, 31 de outubro de 2011


Ana,
hoje estou com raiva de você. E não quero te dar um "bom dia", nem um "boa tarde", nem um "boa noite". Eu não me importo com a hora em que você está lendo essa carta. Nem se você está lendo, aliás.
Hoje eu não gosto de você, Ana. Eu não gosto de você.
Eu não gosto de suas manias, do seu sorriso, nem do seu cheiro de rosas. Eu detesto esse seu cheiro de rosas, Ana. Detesto o calor da sua pela e a sua voz. Detesto seu pescoço, seus pés, sua boca e o seu shampoo de tutano.
Espero que você não volte mais.

Sem carinho,
não mais teu.

14 de novembro de 2011

Tom,

estou de mudança, Tom. Isso mesmo! E eu espero que dessa vez eu fique. Cansei de procurar casas pra morar.
A casa antiga não estava dando conta, ela nunca deu, na verdade. Não dava conta de tanta tempestade já te contei como chove por aqui, Tom?! Sabe, a melhor parte da mudança foi jogar fora toda aquela tralha! Ainda tem muito pra por no lixo, mas nós damos um jeito.

A casa nova é fabulosa, Tom! E tem um jardim belíssimo, cheio das flores mais belas que já vi. Não sei se por causa da primavera, que nasceu mais bonita esse ano, não sei. Mas o meu jardim novo é coisa rara de se ver e de ser. Fico feliz de ter sido privilegiada de maneira tão grandiosa, Tom.
Enfeitei a casa nova com fitas, cores, passarinhos, borboletas e estrelas, ficou linda mesmo! No rádio, uma nova canção; nas estantes, novos nomes e títulos e até no cardápio, novos sabores, Tom. Qualquer dia, eu te chamo pra tomarmos um suco.

Se quer saber, a casa ainda não tá pronta. Faltam algumas pedras e penas, aqui e ali. Sinceramente, não sei se um dia a casa vai ficar totalmente pronta. Tenho receios e dúvidas sobre isso. Mas por enquanto, me deixa curtir o cheiro de novo, que eu, enfim, me sinto em casa.

13 de novembro de 2011

manhã

Acordo cedo e fico te esperando acordar. Você dorme quieta que nem passarinho. Um pouco mais tarde, tateia   a cama com os pés, em busca de meus pés. Você passa o braço por volta de mim e sorri, ainda não abriu os olhos. Ficamos desse jeito gostoso até você abrir os olhos. Te dou um beijo na testa, você se espreguiça e se levanta.

Faço café para nós dois, passo geleia nas fatias de pão e você chega na cozinha. Cheiro de banho novo e de pele fria. Você é tão bonita. Me agradece pelo café e conversamos sobre o filme da noite anterior.

Saímos para nossa caminhada matinal e brigamos no elevador. O motivo de hoje é a sua presença na festa daquele seu amigo da faculdade. Os vizinhos acreditam e abandonam o elevador na primeira oportunidade, morremos de rir quando ficamos sozinhos. Na rua, você encontra aquele poodle toy horrível do 702 e pergunta porquê não temos um também. Eu digo que ele é horroroso, você dá uma risada e me dá um tapa enquanto morde os lábios.

Você aponta para todas as casas que quer morar, e quando alguma tem uma placa de "vende-se", você enfatiza dando uma paradinha na frente. Escondido de você, já anotei todos os números de telefone estampados nas placas.

Voltamos pra casa e tomamos aquele banho que a gente adora. Você prepara uma salada, nós almoçamos cheios de gracejos e vou trabalhar.

No som do carro, escuto os Smiths enquanto penso em você.

8 de novembro de 2011

diálogo de pracinha

 Você não tem a sensação de que as pessoas podem ir embora, tipo, amanhã?
 Hoje, ainda.


Silêncio.






(Você é demais!)

1 de novembro de 2011

terça feira

Preciso parar de dormir nas tardes preguiçosas de terça feira à custa do teu colo vago. Ontem foi meio assim, amor. Você lia seu Neruda com um lápis na mão, vez ou outra riscava a página. Me aproveitei da tarde chuvosa e me aninhei no sofá, cabeça sobre tua coxa e você descansou a mão na minha barriga.

Não demorei pra dormir. Acordei no finalzinho da tarde, com aquela minha fome simpática e com o corpo todo doído. Você dormia. Parecia meio desconsertado no sofá. Não roncava e não acordou quando eu me retirei – com toda delicadeza que encontrei – do seu colo. Fui na cozinha, comi duas ou três uvas. Não satisfeita, meti a mão no pote de bombons e peguei umas cinco gotinhas de Hershey’s.

Voltei pro teu colo, mas não consegui dormir outra vez. Olhei pros teus pés cruzados em cima do pufe e sorri ao ver tuas unhas cortadas. Sempre detestei unhas grandes e fico feliz que você tenha adquirido algumas manias minhas, amor. Saí do teu colo outra vez e peguei o Neruda que estava no braço do sofá. Achei bonitas as partes que você grifou, pensei se você usaria uma daquelas frases comigo. Te dei um beijo na bochecha e fiquei encostada em teu peito por um tempo. Pensei numas músicas bonitas, na tua toalha molhada em cima da cama, no teu cheiro que nunca havia chegado em casa diferente.

Lá pelas seis, te preparei um café e te acordei de mansinho. Você sorriu bonito ao olhar pra mim, se espreguiçou e pegou a caneca das minhas mãos. Passou seu braço em volta de mim, sussurrou no meu ouvido: “sonhei com você, meu amor”. Olhei nos teus olhos castanhos e pensei no quanto eu era feliz por ser tua nessas tardes preguiçosas de terça feira e em todos os outros dias da semana.