Alice jogou sua mochila no primeiro canto vago que achou, mas nem assim conseguiu se livrar do peso que carregava nas costas. E nem era um peso vindo lá de fora, era um peso que vinha dela. Era o peso que era.
Em casa, fazia silencio e ela foi dormir. Dormiu até quase nove horas e acordou cansada. Alice andava bem cansada esses dias. Tinha vontade de ir embora mesmo sem chegar.
Alice tinha um nome cheio de graça para alguém tão sem graça. Alice tinha manchinhas brancas nas unhas roídas e uma postura horrível. Fazia palavras cruzadas enquanto tomava suco de uva, lia revista Capricho no banheiro, falava sozinha e se exaltava demais ouvindo música clássica. Gostava de olhar sites de imobiliárias, gostava de azulejos antigos, tinha uma coleção antiga de selos e outra de pessoas que já tinham ido.
Alice tinha medo. Medo de tudo. Medo dela, medo dos Beatles, medo da verdade, medo dos outros, medo de vomitar, medo de sorrir, medo de chorar, de amar e de despedidas.
Alice tinha dúvidas, manias, desejos, complexos e poucos amigos. Ela era tão só dela que nunca admitia nada, acho que tinha medo disso também. Alice sabia decorado o nome de um monte de remédios e sempre fazia o mesmo caminho pra voltar pra casa –era o tempo de oito músicas. Falava tudo pela metade e tinha ódios repentinos. Alice também não sabia a forma certa de amar. Amava rápido e se entregava fácil, assim como se machucava. E tinha medo disso.
Alice estava cansada de ser Alice, hoje. Não, minto, Alice estava cansada de tanto pesar.
Acordou enjoada e com fome e foi tomar um banho. Alice chorou, chorou com vontade. Chorou cheia de dores. Chorou de cansada e cansou. Ainda molhada, se jogou na cama e ficou lá, olhando pra janela amarela de um dos prédios vizinhos. Podia ficar ali a noite inteira, cansada de tudo, até se cansar. Mas aí, ela foi comer.